
O que é o viver humano senão, com o passar do tempo, o enfrentamento de dificuldades no caminho? No entanto, o avançar dos anos pode ser significativo e feliz à medida que laços de amizade, carinho e Amor Fraterno são firmados durante a jornada. O serviço de convivência e fortalecimento de vínculos Vida Plena, da Legião da Boa Vontade (LBV), tem como objetivo propiciar vivências que valorizam as experiências e que estimulem e potencializem a condição de escolher e decidir, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia, do protagonismo social e do fortalecimento de vínculos dos idosos. O trabalho, que já era relevante nas comunidades em situação de vulnerabilidade social em todo o território nacional, tornou-se imprescindível neste período de pandemia do novo coronavírus, quando essas pessoas se viram impedidas de exercer atividades sociais, em decorrência da prevenção à Covid-19, além de outros problemas de saúde e de insegurança alimentar.
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Esta reportagem traz a experiência da unidade da LBV localizada na Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, e destaques de iniciativas em outras cidades brasileiras. Elas mostram o valor de se cuidar, com afetividade, dessa geração, que tanto fez e que ainda muito pode realizar em favor do nosso país, se nós, como sociedade, soubermos valorizar o legado e a história desses cidadãos.


Grupo de risco da Covid-19, os indivíduos com mais de 60 anos foram os primeiros a evitar a convivência externa ao lar. A assistente social Jackeline Medina Cardoso, que atua no Centro Comunitário de Assistência Social da LBV em Cabo Frio/RJ, revela que foi necessária a adaptação dos profissionais da Instituição para continuar atendendo os usuários do serviço Vida Plena. Seguindo as orientações do Ministério da Saúde, a Superintendência Social da Entidade criou protocolos para que fosse possível entregar com segurança cestas de alimentos não perecíveis e verdes e kits com produtos de limpeza, bem como orientou o acompanhamento e o apoio emocional a essas pessoas neste período.
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Outra preocupação, de acordo com a assistente social, era com o emocional deles: “Durante os contatos realizados com os idosos e seus familiares para o acompanhamento social, identificamos diversas situações de sofrimento geradas ou intensificadas neste período, como desafios de relacionamento no lar, depressão, tristeza, solidão, doenças na família, inclusive a Covid-19, e luto pela perda de entes queridos”.

Apesar de todas essas dificuldades a serem vencidas, a equipe da Instituição constatou que, mesmo com a distância física, o contato e os vínculos estabelecidos entre os frequentadores do serviço haviam sido conservados, assim como as relações de amizade que adquiriram ao longo das vivências e trocas em grupo eram fortes e protetivas. Essa percepção foi fundamental para o início das atividades não presenciais com o envio de vídeos (por WhatsApp) e de material impresso.
A ideia era dar continuidade ao trabalho que haviam começado antes da pandemia, quando os frequentadores do Vida Plena desenvolveram dinâmicas para discutir e fazer reflexões sobre as identidades individual e coletiva deles, resgatando experiências e memórias por meio de textos e de desenhos feitos em tecido de algodão cru, com os quais iam construindo uma colcha de retalhos com suas histórias (veja o painel na página ao lado), em uma analogia às fases da vida e à influência dos encontros com outras pessoas, que vão se dando ao longo da existência e, desse modo, transformando as trajetórias.
Inspiração na poesia
“Não sei… Se a vida é curta/ Ou longa demais pra nós,/ Mas sei que nada do que vivemos/ Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas./ (…) É o que faz com que ela/ Não seja nem curta,/ Nem longa demais,/ Mas que seja intensa,/ Verdadeira, pura… Enquanto durar.” Esses são versos do poema Saber Viver, de Cora Coralina (1889-1985). Ele e outros textos da lavra dessa grande poetisa brasileira serviram de inspiração para os participantes do serviço da LBV.

Além da escrita de Cora ser marcante pela resiliência, pelo olhar positivo e por mostrar a felicidade nas coisas mais simples, ela mesma é um exemplo de que nunca se deve desistir dos sonhos, afinal a escritora só se consagrou na literatura aos 75 anos, ao lançar o seu primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás. “Houve uma grande identidade das participantes do grupo com a obra literária de Cora Coralina. Elas estão amando todos os vídeos que nós temos encaminhado e estão participando de todas as atividades não presenciais. E notamos ainda que a convivência familiar melhorou, porque os filhos e netos têm também se engajado nas atividades intergeracionais propostas por nós”, ressalta a assistente social.
Enfrentamento do luto na pandemia
Neste momento de distanciamento social, alguns atendidos da LBV vivenciaram a perda de um ente querido. É o caso de Maria Luiza dos Santos, de 71 anos, que encontrou na Legião da Boa Vontade o respaldo para ressignificar o luto. “Eu tive diversos problemas. O meu marido faleceu, e a LBV me ajudou. O carinho e a dedicação do pessoal da Instituição e das minhas amigas do grupo Vida Plena foram essenciais [naquele momento], porque minha família mora longe, e eu só tenho uma filha.”

Maria Luiza alegra-se ao falar das vivências propiciadas pelo Vida Plena e diz que gostou de escrever sobre sua trajetória. “O texto da Cora Coralina tem semelhança com a vida da gente. Ela ‘mete a cara’ no mundo e começa a fazer as coisas mudarem de lugar. Eu estou tirando muitos proveitos dessa leitura, graças a Deus”, completa.

Laços de amizade para vencer a depressão
Em novembro, quando Heloísa Siqueira Coutinho, de 75 anos, também usuária do Vida Plena, esteve na unidade da LBV para pegar o kit com as instruções e os materiais para as atividades não presenciais, a equipe percebeu quanto os laços de amizade firmados antes da pandemia foram importantes para a saúde mental e emocional de quem participa do serviço. Dona Heloísa, que apresentou fortes sinais de depressão por conta do isolamento que tem de fazer por causa de sua idade e da de seu esposo (que ainda é portador de comorbidades), mostrou os primeiros sinais de melhora a partir das ligações telefônicas e do empenho de outras integrantes do grupo.
Além de buscar ajuda médica, ela já conquistou ânimo para realizar as atividades encaminhadas pela Entidade. “Eu me sinto bem com o contato de minhas colegas ou quando recebo as atividades da LBV. Sinto muito carinho, fico contando os dias [para esse reencontro]”, destaca Heloísa.
Parte dessa recuperação está na amizade entre todas. A atendida Maria dos Anjos Lima da Cruz, de 65 anos, é uma das idosas que, com sua alegria, tem contagiado as outras participantes. Com saudades da Legião da Boa Vontade e de suas companheiras de aprendizado, ela criou um grupo no WhatsApp e, assim, está sempre colocando a conversa em dia com as demais. “Aprendi muito na LBV, é tudo maravilhoso, eles nos tratam bem, com carinho e Amor. Eu gosto de verdade das minhas amiguinhas, são da minha família. Fiz um grupo no telefone para poder falar com elas e ajudar nas atividades passadas para fazer em casa”, conta.
Esse apoio mútuo está sendo determinante para vários atendidos da Instituição. Nas 40 unidades de atendimento em que se realiza o serviço Vida Plena, ele alimenta a Alma dos participantes para que possam vencer os obstáculos do dia a dia e renova a Esperança e a Fé em tempos melhores. A confecção da colcha de retalhos, atividade proposta pela equipe da LBV em Cabo Frio, prossegue até o fim do ano tratando de temas como território vivido, comunidade e lugares de origem (onde o participante nasceu), tudo com bastante arte, poesia e Amor Fraterno.
