Diariamente, inúmeros desafios são enfrentados pelas famílias brasileiras — realidades muitas vezes invisíveis, mas profundamente afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas. Estudos recentes demonstram que os impactos do aquecimento global não apenas se intensificaram, como também vêm atingindo, com maior frequência e gravidade, comunidades em situação de vulnerabilidade. Entre 2020 e 2023, o Brasil registrou mais de 7,5 mil eventos de chuvas intensas, um aumento expressivo em comparação com os poucos mais 2 mil registros nos anos 1990. Os dados são do relatório do Programa Maré de Ciência, desenvolvido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com o apoio da Fundação Grupo Boticário, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Unesco.

É nesse contexto que se encontra Cleylma Neves, 38 anos, mãe solo de três filhos — Gabriele, Victor e Anna Bertulina. Ela vive no ponto mais baixo de uma ladeira de difícil acesso, no bairro Sá Viana, em São Luís/MA, uma região cercada por manguezais e enfrenta diariamente as adversidades impostas pelo clima. Ali, o calor é intenso, a maré invade sem pedir licença às moradias, e a infraestrutura precária transforma o cotidiano em luta. “Onde eu moro é muito ruim. Quando chove, enche tudo. Meu filho, que é autista, tem problema no coração e asma. Já ficou gripado por causa da friagem”, conta.
Desafios à margem do mangue
As encostas no entorno da residência aumentam o risco de deslizamentos e inundações durante o período chuvoso. A antiga moradia, feita de barro, desabou após fortes chuvas, uma triste realidade que é invisível aos olhos de muitos, mas comum entre famílias em situação de vulnerabilidade social. “Minha casa era de barro e, com a chuva, caiu em cima de mim e de minhas crianças. Deus evitou uma tragédia”, ela relembra o acontecimento com o sentimento de gratidão por não ter ocorrido nada grave com eles.

A moradia onde está atualmente foi um presente coletivo: dois compartimentos simples, sem banheiro ou água encanada. Nos dias de chuva, a rua se transforma em um verdadeiro rio, dificultando a mobilidade. O trajeto para a escola vira uma jornada impossível. Emocionada, Cleylma conta que certa vez se sentiu ainda mais ameaçada: “Foi à noite. Eu me levantei da cama e estava com os pés dentro d’água. Pedi para as crianças nem se moverem”. Apesar das dificuldades, ela percorre longas distâncias todos os dias, por no mínimo duas horas, para garantir o acesso à Educação de seus filhos. São ao menos quatro caminhadas diárias, subindo e descendo ladeiras até o ponto de ônibus. “Quando a gente chega na parada, já tá suando”, afirma.
“Foi à noite. Eu me levantei da cama e estava com os pés dentro d’água. Pedi para as crianças nem se moverem”.
Cleylma Neves
Mãe de 2 crianças atendidas pela LBV em São Luís/MA
A maré traz o lixo e os perigos
Segundo Cíntia de Sousa, assistente social da Legião da Boa Vontade (LBV) na capital maranhense, a comunidade onde Cleylma mora é marcada pelo isolamento. “É bem distante da avenida. É um local mais baixo que nem o ônibus consegue acessar (…). Então ela fica isolada.” A vegetação típica de manguezal e a falta de infraestrutura agravam o cenário: a lama toma conta. A realidade de Sá Viana, no entanto, é ainda mais dura. A coleta de lixo é irregular, e, quando os vizinhos despejam sacolas no quintal, a maré leva os resíduos descartados para a porta de sua casa. “Quem mora mais embaixo sofre mais. É preciso zelo com o lixo, porque prejudica a todos. Isso evita doenças”, alerta.

Na rotina exaustiva, um alívio chamado LBV
Assim que conheceram o trabalho da LBV, a rotina deles mudou. Cleylma inscreveu as crianças nas atividades da Instituição e percebeu os efeitos positivos. “Antes eles ficavam na rua. Agora vêm para cá, se alimentam, participam das atividades. Eles gostam muito, dizem que nem querem mais ficar em casa”. Além do apoio aos filhos, ela também encontrou acolhimento para si mesma. “Aqui, eu converso com a psicóloga. Se os meninos faltam, a equipe liga para saber [como eles estão], visita a gente. A alimentação daqui é boa, eles almoçam e merendam. Às vezes, são as únicas refeições do dia”. Apesar das dificuldades que ainda enfrenta, ela segue adiante. “Já passei o dia inteiro sem ter nada para dar pra comerem. Fico com vergonha de pedir. A gente se tranca, fica deitada. É luta!” Com a voz embargada, agradece: “Se não fosse a LBV, eu não sei se resistia com meus filhos”.





“A vida foi difícil pra mim, mas sigo em frente”
O que move essa guerreira? O Amor. A responsabilidade. E uma Fé inabalável na importância do estudo e da dignidade. “Digo para as mães: tirem os seus filhos da rua. Coloquem para estudar. Eles têm que ter infância.” Mesmo cansada, sem tempo sequer para almoçar entre as idas e vindas à escola, Cleylma não desiste e busca sempre oferecer uma trajetória melhor aos filhos. “Aprendi com a vida. Ela foi difícil pra mim, mas sigo em frente. Tem que pensar positivo e lutar.”





A Unidade da LBV em São Luís/MA está localizada na Rua Catulo da Paixão Cearense, 74 – Vila Passos. Para outras informações, ligue: (98) 3214-1428.