350 milhões de pessoas
350 milhões de pessoas.
É um número maior do que a população inteira dos Estados Unidos, terceiro país mais populoso do mundo. E também é o número de pessoas que estão deprimidas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A depressão — distúrbio psiquiátrico — chega silenciosa e aos poucos consome de dúvidas, de medos e de incertezas. Às vezes até pode fazer achar que não há saída.
Na verdade, tem, sim!
Mas, como alguém que passa por essa doença se sente? Olhe essa foto abaixo:
Ela foi escolhida pela pernambucana Luciene Silva, de 56 anos, para ilustrar como ela se sente quando episódios de profunda tristeza a alcançam. Solidão, afastamento, falta de perspectivas, esses são alguns traços que ela relata antes mesmo de ser diagnosticada com depressão por uma psiquiatra da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, onde recebe acompanhamento médico.
“Essa foto mostra como eu me senti quando eu perdi a minha mãe. Eu fui para um clube, não para nadar, não para me divertir. Quando eu vi essa foto, eu me lembrei que eu fui lá numa piscina e entrei na água e fiquei parada. Sem ouvir ninguém. Sentir esse vazio. É uma fuga. Eu sinto que nesse lugar ninguém vai me achar”.
Ela passou a notar as consequências no corpo:
– Fadiga
– Insônia
– Falta de apetite
De uma trajetória de muitos desafios, Luciene foi ultrapassando um por um, mas havia algo que ela não conseguia alterar, seu coração continuava trazendo consigo as cicatrizes de tudo pelo o que passou. Conheça sua história:
Com um ano de idade ela veio para a capital paulista com a mãe e um irmão, os outros oito irmãos permaneceram em Pernambuco. “Nós só não passamos fome porque minha mãe trabalhava em um restaurante e conseguia trazer alguma coisa pra gente. Foi uma vida difícil mesmo”.
Após se acostumar com a cidade, a jovem sustentava inúmeros sonhos: Estudar, ter uma família e ajudar a sua mãe. “Aos 17 anos fiquei grávida. Eu não tinha conhecimento de como prevenir a gravidez, nunca aprendi isso na escola ou com a minha mãe. Aí tive que parar de estudar”.
Poucos meses antes do nascimento da filha, a jovem mãe recebeu a proposta de Pedro*, pai da criança, de morarem juntos, para estabelecerem uma família. Muitos anos de convivência se seguiram e quando a família já parecia ter enfrentado tudo o que poderia imaginar, os médicos diagnosticaram o marido de dona Luciene com diabetes.
Ela não sabia, ele não sabia. Mas, era o início de um período muito turbulento.
“Então, ele bebia porque não aceitava a doença, e assumia um jeito mais agressivo de ser. Chegava tarde. Ele me machucava, pegava pelos braços. Teve uma vez que ele chegou em casa e apagou os interruptores da luz da casa toda, eu fiquei com medo. Aí ele começou a jogar as coisas no chão, jogou a televisão, aí ele veio e tentou me bater. Eu consegui correr para um dos quartos e, pela luz que entrava da rua, ficou claro e eu peguei o celular e liguei para o meu filho”.
Um dos episódios de raiva do marido gerou tal grau de agressividade que, jogada contra a parede, Luciene adquiriu dores na coluna que duram até os dias de hoje.
Nas suas lembranças, a pernambucana ainda lembra a tristeza de, por falta de informação, não ter denunciado o crime por todos esses anos.
“Minhas duas filhas saíram de casa nessa época, não aguentavam mais o clima que estava em casa”.
Dias depois, mais um episódio: o marido agrediu a filha, que tentava proteger a mãe dos empurrões. “Os vizinhos ouviram a gritaria e vieram na porta, foi aí que ele se deu conta do que tinha feito”.
“Eu já tinha passado do meu limite”.
A reação
“Eu prestei queixa na polícia nesse dia. Isso foi numa terça-feira. No domingo eu estava em casa e ele no quarto dele, já dormíamos em quartos separados. Então, fui perto dele e falei: ‘Agora não dá mais, quero a separação’. Na hora ele levantou e não estava bêbado, pegou o meu pescoço, me jogou na cama e começou a me enforcar. Ele tentou me matar. Ele só parou porque a nossa neta fez barulho na sala”.
Luciene saiu com a neta e pediu ajuda para os vizinhos, que perceberam as marcas no pescoço. Então, decidiu ir à Delegacia denunciar a agressão: “Aí eu disse ‘o meu caso não vai ficar na gaveta’. Fiz exame de corpo de delito e depois fui para a casa da minha filha”.
Prisão
“O policial foi na minha casa, o meu marido atendeu e a polícia disse: ‘O senhor pegue suas coisas e saia da casa, você não mora mais nessa casa. Você pegou a Lei Maria da Penha’.” Ele saiu algemado.
Até os dias de hoje, o medo mexe com a rotina dela. “Eu não conseguia ficar em casa sozinha. É como se eu estivesse na cozinha e ele fosse entrar a qualquer momento”.
Ajuda Médica
“Eu queria ficar no meu quarto, sozinha, queria que me deixassem quieta. Eu levantava da cama só para ir ao banheiro. Não via TV, não saia. Nada. Fazia meses que eu não sabia o que era dormir”.
Dias, semanas, meses. A situação de profunda tristeza de dona Luciene somava-se às mágoas não resolvidas de muitos momentos da sua vida. Pensava estar sozinha e se perguntava por que as coisas não poderiam ser como eram antes da doença do marido.
Os três filhos estavam tristes pela situação da mãe e foram procurar alternativas médicas que ajudassem a mãe na recuperação. Então a família buscou ajuda com a equipe médica da Assistência Médica Ambulatorial (AMA). “Fui verificar essa dor na coluna e lá o médico me encaminhou para a psicóloga do hospital e de lá me encaminharam para uma psiquiatra”.
VONTADE DE VIVER!
“Eu vi que isso estava prejudicando a minha família, eles ficavam tristes por ver como eu estava. Eu vi que eu estava fazendo mal para quem eu amo. Foi quando a psiquiatra me falou da LBV. Eu procurei, liguei e marquei a entrevista com a assistente social”.
Na entrevista, a assistente social da LBV percebeu todas as fragilidades que cercavam a vida dela. Ela reforçou o acompanhamento do grupo de psicólogas da Instituição para ajudarem de perto no caso. E, então, encaminhada para o programa Vivência Solidária, a idosa começou a enxergar diferentes horizontes.
“E agora eu estou aqui fazendo curso. Estou gostando, me interessando. Percebi que quando eu pinto eu me sinto feliz. Eu estou fazendo alguma coisa para mim. Aqui eu esqueço dos meus problemas. É um passo de cada vez. É difícil recomeçar? É. Mas, eu criei vontade!”.
Hoje, Luciene percebe o mal que estava fazendo para ela mesmo: “Eu cansei de fazer nada, aí pensei: ‘Vou pintar’. Só de fazer o molde, eu vou vendo que é legal, descobri que gosto das flores. Então agora, ao invés de chorar, eu vou pintar”. #Esperança
Agradecimento
“Deus colocou esse lugar na minha vida. Fui muito bem acolhida, nossa, muito mesmo. Semana passada foi muito bom, teve uma atividade legal. Fazia tempo que eu não ria desse jeito. Eu me sinto bem, tem gente para conversar. Vejo que estou melhorando.”
Dona Luciene segue na luta, afinal, o acompanhamento médico da depressão precisa ser periódico, mas a certeza de estar sempre mais perto da recuperação motiva a sorridente senhora a continuar, amparada pela boa vontade!