Relatório divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) em novembro de 2018 revela que 87 mil mulheres no mundo morreram vítimas de homicídio em 2017. Dessas, cerca de 50 mil (58%) tiveram como algoz parceiros íntimos ou parentes. Isso significa que, a cada hora, em média seis mulheres são assassinadas por pessoas que elas conhecem. Esses lamentáveis dados não só devem ser motivo de vergonha para nós, na qualidade de seres humanos, mas, sobretudo, mostram a urgência de agir efetivamente para proteger o sexo feminino no ambiente doméstico.
No Brasil, as estatísticas também assustam. As principais vítimas de homicídio são as mulheres negras, entre as quais a taxa desse crime cresceu 54% em dez anos, enquanto, nesse mesmo período (de 2003 a 2013), diminuiu 9,8% entre as brancas, conforme atesta o Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
De tão alarmante, o referido índice chegou a ser citado pela atriz Taís Araújo durante palestra que proferiu na conferência TEDxSãoPaulo, ocorrida em agosto de 2017, em São Paulo/SP. Na ocasião, ela discorreu sobre a dificuldade que percebe em educar os dois filhos — João Vicente, de 7 anos, e Maria Antônia, de 4 anos — no país. “Eu vejo diferença entre criar meninos e meninas. Gênero é uma questão. Quando engravidei do meu filho, fiquei muito aliviada de saber que no meu ventre tinha um homem. Tinha a certeza de que ele estaria livre de passar por situações vivenciadas por nós, mulheres”, desabafou à plateia. A fala da artista revela a insegurança que muitas brasileiras sentem na pele. “Com a Maria Antônia, eu me pego pensando, o tempo inteiro, em como nós, mulheres, somos criadas para agradar, no quanto nos silenciam e no quanto nos desqualificam o tempo inteiro. Quando penso no risco que ela corre simplesmente por ter nascido mulher e negra, eu fico completamente apavorada”, acrescentou.
Atenta a essa realidade e ao fato de as mulheres serem a maioria das beneficiárias de suas ações, a Legião da Boa Vontade empenha-se em promover o empoderamento feminino e em desconstruir a cultura machista. Demonstração disso são as oficinas socioeducativas que ocorrem nos Centros Comunitários de Assistência Social da Instituição sobre igualdade de gênero, relações de gênero no mundo do trabalho, violência doméstica e outros temas afins.
Informação para promover igualdade
Na unidade em Anápolis/GO, por exemplo, o público atendido por meio do programa Criança: Futuro no Presente! (direcionado a meninas e meninos entre 6 e 15 anos de idade) realiza atividades que reforçam nele a conscientização de que homens e mulheres têm os mesmos direitos e deveres. De acordo com Patrícia Silva de Oliveira, educadora no local, ações como essas, destinadas aos mais novos, são bastante preciosas, visto que “eles estão em desenvolvimento, o que [lhes] possibilita [ter] visão diferenciada dos papéis sociais difundidos entre as populações de várias esferas e exaltar valores como o respeito ao próximo e o tratamento digno, livre de qualquer forma de preconceito”.
Em prática semelhante, os que participam do programa Vivência Solidária* (jovens a partir dos 18 anos de idade e adultos até os 59 anos) no Centro Comunitário da LBV em Pelotas/RS assistiram ao vídeo Precisamos romper com os silêncios, no qual a escritora, filósofa e feminista Djamila Ribeiro trata de diversas questões relevantes, entre estas o direito à voz em uma sociedade que se cala diante das desigualdades. Juntos, eles debateram sobre a importância da igualdade de gênero, de cor e de classe social e sobre de que modo o acesso à informação é vital para que comunidades prejudicadas saibam reivindicar a garantia de seus direitos.
Nas escolas da LBV, a desconstrução da cultura machista dá-se naturalmente nos momentos de estudo. Conforme surjam oportunidades propícias durante a aula — como, por exemplo, em comentários dos próprios alunos, entre os quais “Essa profissão é só para homens!” —, o professor faz a mediação necessária, de maneira que a turma possa conceber novas perspectivas sobre a incoerência em separar papéis ditos “masculinos” e “femininos”. No caso da disciplina Convivência, que aborda atualidades e assuntos pertinentes à sociedade, tópicos como “O que é assédio?” e “Contra a cultura do estupro” são tratados com maior foco, especialmente entre os jovens do Ensino Médio. Os educandos são, até mesmo, incentivados a produzir trabalhos pedagógicos (seminários, peças teatrais, músicas, poemas e outros tipos de criação educativa) acerca de tais objetos de análise.
Essas experiências geram vários resultados positivos, a começar pelos que surgem no círculo de convívio em que está inserido o estudante. “Vamos trabalhando temas como a Lei Maria da Penha, de maneira que os próprios meninos e rapazes façam uma reflexão sobre os perigos que, muitas vezes, ocorrem na própria família. Se tiverem mãe, irmãs, primas e/ou amigas que estejam passando por questões como a violência doméstica, saberão como agir, como buscar os direitos [delas]”, ressaltou Suelí Periotto, supervisora da Pedagogia do Afeto (destinada a crianças de até os 10 anos de idade) e da Pedagogia do Cidadão Ecumênico (aplicada a pessoas a partir dos 11 anos), ambas formuladas pelo educador José de Paiva Netto, diretor-presidente da LBV (leia mais sobre o assunto na p. 30).
Segundo Suelí, que também é doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os atendidos pela Instituição aprendem o valor da cidadania e da solidariedade, tornando-se conscientes de que possuem condições e o dever de tratar com afeto e respeito não só o parceiro ou a parceira, mas a todos da sociedade. “Eles, certamente, serão namorados, noivos e maridos melhores. As meninas, com certeza, serão companheiras melhores. (…) A gente percebe uma clareza de pensamento; nota que [os educandos] conseguem entender muito bem como uma realidade [mais justa] se dá a partir da nossa própria postura”, disse. Ela completou: “Sem dúvida alguma, os alunos da LBV serão sempre multiplicadores de uma mentalidade bastante aberta, de uma postura firme na maneira de defender-se, de defender alguém que esteja passando por algum tipo de preconceito ou que esteja com a autoestima baixa (…)”.