Autonomia econômica às mulheres

Declaração da LBV apresentada à ONU, que traduziu para seus idiomas oficiais e encaminhou aos participantes da 64ª sessão da Comissão sobre a Situação das Mulheres
A fim de contribuir para os debates da 64ª sessão da Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW, na sigla em inglês), a ser realizada entre os dias 9 e 20 de março de 2020, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, nos Estados Unidos, a Legião da Boa Vontade (LBV) redigiu documento no qual compartilha suas boas práticas nas áreas da Assistência Social e da Educação, permeadas pela Espiritualidade Ecumênica.

Sob o tema “Pequim+25 (2020)”, o evento deste ano da CSW abre importante espaço para identificar os avanços e analisar os desafios no assunto desde 1995, quando houve, na capital chinesa, a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, marco na luta pela igualdade de gênero. Abaixo, a transcrição do documento, traduzido pela ONU para os idiomas oficiais desse organismo internacional e encaminhado por ela aos participantes do encontro.

No ano em que a Declaração e Plataforma de Ação da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher completa 25 anos, a América Latina e o Caribe infelizmente enfrentam o aumento da extrema pobreza, afetando principalmente as mulheres. A Legião da Boa Vontade (LBV), organização com 70 anos de existência e impacto internacional, apresenta, a seguir, experiências bem-sucedidas de fortalecimento do empreendedorismo e da empregabilidade feminina.

Dados do relatório “Panorama Social da América Latina 2018”, divulgados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepalc), revelam que, desde 2015, essas regiões têm registrado perdas nos seus indicadores sociais. As mulheres são as que mais sofrem: enquanto 40% da população ocupada dessas localidades têm remuneração inferior ao salário mínimo estabelecido por seu país, esse número sobe para 48,7% entre as mulheres e 60,3% entre as que são mais jovens (com idade entre 15 e 24 anos).

A participação feminina no mundo do trabalho é menor que a dos homens (50,2% versus 74,4%), já o desemprego entre elas é maior (10,4% versus 7,6%). E a tendência é de persistência desse quadro, de acordo com o relatório publicado em 2019 pelo Banco Mundial, que apontou o desempenho insuficiente das principais economias latino-americanas.

A LBV foi fundada pelo saudoso radialista, escritor e poeta Alziro Zarur (1914-1979) no Rio de Janeiro, Brasil, no ano de 1950, em 1º de janeiro — Dia da Paz e da Confraternização Universal. Em 2019, a Instituição prestou mais de 15,6 milhões de atendimentos e benefícios a famílias em situação de pobreza. Suas escolas e seus Centros Comunitários de Assistência Social e abrigos para idosos somam 96 unidades presentes no Brasil, na Argentina, na Bolívia, no Paraguai, no Uruguai, em Portugal e nos Estados Unidos, que são mantidos pelas populações de cada país.

As iniciativas de empoderamento econômico feminino empreendidas pela Entidade e abordadas nesta declaração respondem à diretriz estratégica formulada na década de 1980 pelo diretor-presidente da Legião da Boa Vontade, o educador Paiva Netto, a qual foi reafirmada pelo autor como prioritária na revista BOA VONTADE Mulher de 2019: “(…) urge o fortalecimento de um ecumenismo que supere barreiras, aplaque ódios, promova a troca de experiências que instigue a criatividade global, corroborando o valor da cooperação sócio-humanitária das parcerias, como, por exemplo, nas cooperativas populares em que as mulheres têm forte desempenho, destacado o fato de que são frontalmente contra o desperdício. Há muito que aprender uns com os outros. O roteiro diverso comprovadamente é o da violência, da brutalidade, das guerras, que invadiram lares por todo o orbe. Alziro Zarur (1914-1979), saudoso fundador da Legião da Boa Vontade, enfatizava que as batalhas pelo Bem exigem denodo. Simone de Beauvoir (1908-1986), escritora, filósofa e feminista francesa, acertou ao destacar: ‘Todo êxito encobre uma abdicação’.

Resumindo: cada vez que suplantarmos arrogância e preconceito, existirá sempre o que absorver de justo e bom dos componentes desta ampla ‘Arca de Noé’, que é o mundo globalizado de hoje. Daí preconizarmos a união de todos pelo bem de todos, porquanto compartilhamos uma única morada, a Terra. Os abusos de seus habitantes vêm exigindo providência imperativa: ou integra ou desintegra (…), razão por que devemos trabalhar estrategicamente em parcerias que promovam prosperidade efetiva para as massas populares”. 

Capacitação de mulheres empreendedoras

A respeito do valor das parcerias, a LBV iniciou no ano de 2019, em Salvador/BA, Brasil, aliança com o programa Ela Pode, realizado pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora com o apoio do Google. O programa visa capacitar, ao longo de dois anos, mulheres em situação de vulnerabilidade social e econômica, por intermédio de uma rede de multiplicadoras atuantes, principalmente nas regiões menos desenvolvidas do Norte e do Nordeste do país. As que estão desempregadas, que possuem baixa escolaridade e são de cor negra e parda têm prioridade.

Nos locais em que é executado, o programa gerou para as mulheres capacitadas aumento de 10 a 20% nas receitas e de 10 a 15% na empregabilidade, além de favorecer o crescimento de 3 a 5% dos negócios criados e fortalecidos no âmbito do Ela Pode. Outro benefício é a maior formalização desses negócios, permitindo às microempreendedoras firmar contratos com empresas e órgãos públicos, acessar crédito, auxílio-doença e salário-maternidade.

A iniciativa oferece ainda qualificação presencial e on-line, visando desenvolver competências técnicas e socioemocionais necessárias ao empreendedorismo, e também acesso a eventos, cursos, mentorias, networking e empresas de acompanhamento profissional. Além disso, todas as mulheres que participam pela LBV recebem o suporte de assistentes sociais. Cabe ressaltar que muitas não empreendem por opção. Estudo da Rede Mulher Empreendedora constatou que 75% das que abriram um negócio tomaram essa decisão após a maternidade, em busca de horários mais flexíveis para cuidar dos filhos.

Dados divulgados em 2019 pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) revelaram que as mulheres representam 34% de todos os donos de negócios formais e informais no Brasil. São mais de 9 milhões nessa condição. Elas ganham, em média, 22% menos que os homens. A pesquisa igualmente sinalizou a necessidade de melhoria do ambiente de negócios no país para elas. Por exemplo, as empreendedoras enfrentam maior dificuldade em conseguir empréstimos bancários, apesar de serem menos inadimplentes que os homens (3,7% versus 4,2%) — elas acessam um valor médio de empréstimos de aproximadamente R$ 13 mil (U$ 3,3 mil) a menos que os homens, a juros de 3,5 pontos percentuais superiores.

Arquivo BV

Uma das participantes do curso em Salvador/BA, Eunice Silva, nem sequer se reconhecia como empreendedora: “Gostei muito de tudo [no curso], mas o que mais gostei foi quando falou sobre empreendedorismo. Sou manicure, marisqueira [vendedora de frutos do mar], vendo pititinga [espécie de peixe] e faço faxina. Eu me viro. Faço de tudo. Eu quero dar um passo à frente para poder realizar o meu sonho. Eu sempre busco inovar na minha vida”.

Iniciativa semelhante deu-se na Argentina. Em parceria com o Ministério Nacional do Desenvolvimento Social, entre 2017 e 2019, a Legião da Boa Vontade desse país participou do Acompanhamento Familiar, que beneficiou 200 famílias em situação de vulnerabilidade social. O programa, abrangido no Plano Nacional de Proteção Social, foi aplicado nos bairros de Juan Pablo II e La Merced, localizados na cidade de San Pedro de Jujuy, a quase 1.600 quilômetros de distância de Buenos Aires. Ambas as comunidades se formaram como assentamentos, que, gradativamente e de maneira precária, foram urbanizados.

A Instituição ofereceu à população 13 workshops voltados à geração de renda, entre os quais os de empreendedorismo, horta orgânica, nutrição, padaria, construção com material sustentável, elétrica, artesanato e corte e costura. Nessas oficinas, alguns produtos foram confeccionados pelos próprios atendidos e vendidos numa feira local às pessoas de comunidades vizinhas.

Uma das famílias beneficiadas pelo Acompanhamento Familiar foi a de María Rosa Mamani, residente no bairro Juan Pablo II. Ela, o marido, Roberto Carlos Almazán, e a filha, Ailen Guadalupe, moram em uma casa em que há cômodos feitos de lona, troncos e chão de terra batida. Por conta de um impedimento físico, Roberto ficou impossibilitado de exercer sua profissão de construtor. Nessa situação, María decidiu matricular-se no curso de padaria da LBV. Com o apoio de vizinhos, construíram um forno de barro em casa, adquiriram uma mesa e bandejas e começaram o próprio negócio.

Inserção de jovens no mundo do trabalho

Outra parceria intersetorial bem-sucedida em favor da população vulnerável, particularmente das adolescentes e mulheres, dá-se no âmbito do programa Aprendiz da Boa Vontade. A iniciativa é realizada em três das maiores regiões metropolitanas do Brasil, abrangendo, até o momento, cerca de dois mil jovens. Por meio dele, a Instituição oferta qualificação profissional e intermedeia a inserção no mercado de trabalho de pessoas na faixa etária dos 14 aos 24 anos que buscam o primeiro emprego ou que ainda não tiveram oportunidade de exercer uma profissão.

Um diferencial da LBV é o de pautar temáticas que empoderem os participantes — particularmente as adolescentes e as mulheres jovens —, entre as quais as relacionadas aos meios existentes para se proteger e para denunciar as diversas formas de assédio, que, infelizmente, ainda ocorrem no mundo corporativo. Esse é um desdobramento da Pedagogia do Cidadão Ecumênico, que é aplicada pela Legião da Boa Vontade nas suas ações com e para adolescentes e adultos e que, ao lado da Pedagogia do Afeto (destinada a crianças de até os 10 anos), integra a linha pedagógica da Instituição, linha essa criada por Paiva Netto.

No Brasil, a Lei do Aprendiz, que completa 20 anos em 2020, determina que empresas de médio e grande porte devem contratar um percentual mínimo de jovens com idade entre 14 e 24 anos como aprendizes. Nessa modalidade especial de contrato de trabalho, com duração máxima de até dois anos, os jovens cumprem parte da sua carga horária em uma instituição formadora.

Enquanto participam de atividades teóricas na Entidade, põem em prática o que aprendem nas empresas parceiras, locais em que são contratados como aprendizes, o que propicia a eles condições de acumular experiências e obter renda formal acompanhada de direitos trabalhistas e previdenciários.

A LBV combina esse trabalho com os seus serviços socioassistenciais, aumentando as chances de jovens em situação de vulnerabilidade social conquistarem um emprego formal. Além de dar suporte a esses adolescentes e suas famílias, a Instituição promove uma sensibilização dentro das empresas parceiras para que não discriminem aqueles egressos ou em cumprimento de medidas socioeducativas, por exemplo. A LBV busca também a paridade entre os jovens que participam desse programa: conforme destacado anteriormente, o número de mulheres jovens que recebem menos de um salário mínimo na América Latina e no Caribe é 50% superior à média geral da população ocupada (já no elevado patamar de 40%).

Por fim, para combater essa disparidade no longo prazo, a Instituição reafirma o imperativo de educar para promover a igualdade. Para impedir que quaisquer conceitos sexistas rodeiem a infância e a juventude, é necessário elevar e fortalecer a autoestima de meninas e de meninos nas famílias e nas escolas, em uma parceria que realce características naturais, prestigie e elogie as expressões particulares deles.

O fato de os educadores da nossa rede de ensino apoiarem os discentes em sua maneira de ser, ouvirem o que sentem e pensam e respeitarem os sonhos deles resulta no fortalecimento interno desses alunos, encorajando-os a manter as próprias opiniões e a não ter receio de expressar os sentimentos. Especialmente para as meninas, nós as incentivamos a buscar carreiras com as quais se identificam, a desenvolver a resiliência para os momentos de desafio e a engajarem-se na transformação social.

Nós, da Legião da Boa Vontade, nos colocamos à disposição para compartilhar nossa experiência e metodologia de trabalho com os governos e as organizações comprometidos com a Declaração e Plataforma de Ação. Com o desejo de que os próximos 25 anos desse acordo global sejam de ainda mais avanços para a população feminina, cumprimentamos a todas e todos os participantes desta 64ª sessão da Comissão sobre a Situação das Mulheres.

 

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